A Legiti começa hoje uma nova série na qual convida especialistas para debater assuntos que geram dúvidas para as empresas que atuam no comércio eletrônico. A ideia é explorar temas relevantes com profundidade e detalhamento.
Nosso primeiro tema são os programas de multas das bandeiras, que podem trazer muitos prejuízos às empresas. Vamos explorar os motivos que levam um e-commerce a entrar nesses programas, entender o que pode ocorrer com essas empresas e, principalmente, debater as melhores práticas para sair dessa situação.
As fraudes com cartão de crédito não param de crescer e geram cada vez mais dores de cabeça para os negócios. Uma pesquisa recente aponta que 1 a cada três brasileiros foi vítima desse tipo de golpe, colocando o Brasil como o líder do ranking mundial.
Tantas fraudes acabam aumentando as taxas de chargeback, algo bastante nocivo para as empresas, que são as responsáveis por arcar com os custos. Além disso, fazem mal ao mercado, já que podem afastar os clientes.
Os comércios eletrônicos envolvidos em fraudes acabam ficando com a reputação manchada. 91% dos brasileiros afirmam que não fariam negócios com uma empresa na qual eles já estiveram envolvidos em uma fraude.
E esse cenário pode ficar ainda pior. As empresas que ultrapassam os limites de chargeback pré-definidos pelas bandeiras de cartões entram nos programas de monitoramentos.
Os e-commerces que ficam nessa situação não só perdem dinheiro com as fraudes, mas também acabam tendo de pagar multas (em dólares!) para as bandeiras dos cartões. E ainda podem ser bloqueados de realizar vendas!
Felipe Oliveira: Se a responsabilidade de pagar os chargebacks é dos lojistas, por que as bandeiras fazem esses programas de monitoramento?
Lourenço Biselli: As bandeiras têm os nomes delas nos cartões, é a marca delas que sofre. E é ruim para o mercado ter empresas com muitas fraudes. Um ponto importante quando falamos de multa de bandeira é que a gente sempre relaciona com fraude, uma pessoa fez uma compra com cartão de outra pessoa.
Mas a multa de bandeira engloba todos os tipos de chargeback. Por exemplo, você pode ter um vendedor que nunca entrega o produto, e as pessoas ficam dando chargeback. Isso é ruim para o mercado como um todo. Então é um pouco um jeito de tentar tirar esse tipo de comportamento.
É tentar melhorar a experiência. Uma das coisas que o consumidor pode pensar é a seguinte: “não vou querer o cartão Visa porque essa bandeira sofre muitas fraudes, um amigo me contou”. Isso pode acabar machucando as bandeiras. É basicamente isso, deixar um ambiente bom para todo mundo.
Felipe: Quando uma empresa entra nos programas de monitoramento das bandeiras?
Lourenço: Tanto em Master quanto Visa, para entrar nos programas a empresa precisa ter um nível de chargeback alto. Normalmente para Visa acima de 0,9%, enquanto para a Master é entre 1% e 1,5%. É importante lembrar que as bandeiras estão sempre olhando a quantidade de chargeback e a data que ele chegou. Além disso, para entrar no programa é preciso registrar mais de 100 chargebacks.
Isso significa que se uma empresa tiver 100 transações e 3 delas forem chargeback (o que daria uma taxa de 3%), ela não entraria nos programas.
Mas vamos entender como funciona. Primeiro é preciso entender que não é porque você ficou um mês nos programas de multa que já vai ter que pagar algo. Na Visa são 4 meses consecutivos, e na Master são dois meses. Quando você entrar, o adquirente vai enviar uma carta falando que você está no programa da bandeira.
Na Visa a cobrança vai ser por chargeback, o valor é de US$ 50 por chargeback levado, o que machuca muito. Na Master eles vão cobrando valores mensais, começam com US$ 1 mil, depois US$ 2 mil. Nas multas de bandeiras, quanto mais tempo você fica nela sem conseguir sair, mais seu buraco vai aumentando. Na Visa, se ficar 10 meses no programa de multas você começa a pagar US$ 50 por chargeback, mais US$ 25 mil.
Na Master, com 7 meses você já paga US$ 25 mil dólares mais US$ 5 a cada chargeback acima de uma certa quantidade. Se você ficar 19 meses, são 100 mil de multa.
E um ponto importante é que dependendo do nível que você está, eles têm programas diferentes. Um mercado de um pouco mais de risco pode receber mais chargebacks. A Visa tem o high risk, por exemplo, que tem como regra ter mais de mil chargebacks e 1,8% de taxa. Contudo, os valores de multa são mais caros.
Felipe: O que ocorre se uma empresa não conseguir sair dos programas? São proibidas de vender?
Lourenço: Nunca vi isso acontecer porque, normalmente, a multa é muito forte e as empresas fazem de tudo para sair. Inclusive, o que pode fazer sentido para uma empresa que não consegue sair do programa é simplesmente parar de vender para cartões de determinada bandeira. Às vezes a multa é tão grande que você para de ter lucro, para de fazer sentido.
Felipe: Como é feito o cálculo das taxas de chargeback?
Lourenço: Master e Visa fazem de um jeito diferente. O cálculo da Visa é a partir de todos os chargebacks que chegaram neste mês, divididos por todos os pedidos deste mês. Por exemplo, estou em março, chegaram 10 chargebacks, tenho 100 pedidos, a taxa será 10 dividido por 100. Tanto faz se esse pedido é de janeiro, o que conta é quando chega o chargeback.
Para Master é um pouco mais chato, são os chargebacks que chegaram neste mês divididos pelas transações do mês passado. Basicamente, se estamos em abril e recebe 10 chargebacks, divide-se pelas 100 transações que tivemos em março.
Felipe: Qual a diferença entre os cálculos de chargeback da Legiti e das bandeiras?
Lourenço: A gente acompanha para ter certeza que não estamos perdendo nada. Vou dar o exemplo da Visa. A diferença de nosso cálculo para o da Visa é que nós usamos a data do pedido e não a data do chargeback.
Por quê? Imagine que você teve um mês muito ruim, você tomou muito chargeback em janeiro. No mês seguinte, você teve uma super melhora e quase não tomou. Se você olhar pelo modo da Legiti, em janeiro você vai ter resultados ruins, mas em fevereiro você vai ver uma grande melhora.
Olhando pela adquirente, o que acontece é que você teve um janeiro muito ruim, mas o chargeback pode demorar 3 meses para chegar – a maioria chega com 30 dias, um pouco menos até. Mas o que vai acontecer é que você vai ter um pouco de chargeback em janeiro e um pouco em fevereiro. O que acontece é que você não vai conseguir ver essa melhora ou vai ver uma melhora muito menor, não é o real que você teve.
A gente prefere ver assim, faz mais sentido para entender o que aconteceu naquele mês que eu tomei chargeback. Quando olhamos para o modelo, queremos saber o que ele errou na hora, o que foi feito naquele mês. Mas claro, no final olhamos para todas as transações e estamos sempre acompanhando para ter certeza que não teve nenhum imprevisto.
Felipe: A pergunta do milhão para as empresas: tem como sair dos programas?
Lourenço: Para sair dos programas, você precisa ficar três meses consecutivos fora. Nós já tivemos clientes que quando entraram com a gente estavam (nos programas) e com um trabalho bem feito saíram. Mas claro, é necessário medidas fortes. Às vezes é preciso baixar um pouco a taxa de aprovação para aquela bandeira, ficar um tempinho fora e depois voltar.
Nossos modelos de dados sempre usam a bandeira do cartão como uma feature, BIN do cartão, etc. Mas às vezes é preciso ter uma política mais agressiva e restritiva para alguma bandeira por causa da multa.
Outro ponto importante é que você baixa por um tempo. A fraude é um problema social, o fraudador vai onde ele vê um buraco, quer agilidade. Se ele vê que Visa está passando, ele vai tentar. Se a empresa colocar um muro, ele percebe que está difícil, automaticamente vai sair e sua taxa depois de certo tempo vai descendo.
É isso, às vezes é um remédio um pouco amargo, mas se bem colocado, se bem feito, ele é amargo na medida certa, sem machucar todas as suas transações, mas apenas aquelas que a empresa precisa.
Felipe: Como o cálculo é feito na média, apenas barrar as transações pode não ser a melhor solução. Como a Legiti auxilia a conseguir esse equilíbrio?
Lourenço: Hoje em dia os fraudadores já compram os cartões, e os CPFs, vemos em nossa base que normalmente bate o número do cartão com o CPF utilizado. O que acontece é que no final, você não precisa só negar, é necessário negar o cara correto. Se você está negando, mas deixando passar chargebacks, você possivelmente estará aumentando sua taxa.
Um dos meios que você pode sair das multas é aumentando a aprovação e diminuindo os chargebacks. O importante é construir métodos que funcionem. A gente falou aqui de uma política de risco mais conservadora e não de uma regra necessariamente. Você tem que olhar para tudo.
Não é assim: “vou negar tudo que é Visa”. Não necessariamente vai funcionar. Às vezes você tem que entender que seu problema está só em um lugar, em um produto. Isso é algo que nosso modelo consegue fazer, ele tem mais de 4 mil características carregadas e ele consegue entender onde podemos ser mais conservador, consegue entender a melhor política de risco e vai negar de maneira correta. Ele olha para toda a transação e coloca um peso em tudo.
As features têm pesos entre elas e o modelo consegue entender. Se o modelo vê que Visa tem mais chargeback e a empresa está com uma política mais conservadora, ele consegue entender: é Visa, estou tomando mais chargebacks em transações do Rio de Janeiro e de determinada região, ele olha para tudo isso e pesa. Não é negar tudo, tem que ser uma solução que faça sentido.
Às vezes você pode fazer uma solução tão ruim que era melhor continuar na multa. É importante sempre olhar para todos os pontos.
Felipe: Se um cliente chega para a Legiti nos programas de multa. Para onde o time olha para conseguir montar a melhor solução?
Lourenço: Primeiro, fazemos modelos personalizados a nossos clientes, nossos modelos são customizáveis, não pegamos uma solução genérica e torcemos para dar certo. A gente vai desenvolver um modelo específico para loja X, e ele entende os padrões de comportamento que estão naquela loja. Isso é importante e retorna em resultados.
O segundo ponto está muito ligado ao nosso atendimento. Gostamos de estar perto dos nossos clientes, entendemos que não é apenas colocar o antifraude e é isso. Precisamos sempre olhar, melhorar. Vamos sentar junto com o cliente, olhar as melhores saídas, passar dicas de acordo com nossas experiência, fazer simulações. Damos quase uma consultoria, temos um atendimento de excelência e nesse momento onde o cliente está quase com a corda no pescoço, é importante ter um parceiro que está junto. Nós entendemos que fraude não é igual para todo mundo, tanto na parte de dados quanto na parte de entender qual a melhor solução.
Outro ponto importante é que temos um acompanhamento sempre baseado em dados, olhamos como o cliente está indo e observar como podemos melhorar. Se a gente vê que o cliente começou a sair da política de riscos, podemos abrir mais a porteira, ser menos conserdvador, etc.
A Legiti utiliza modelos de dados que são baseados nisso, entender o padrão de comportamento, ver esse padrão acontecendo na vida real e tomar uma decisão. Nossos modelos são treinados todas as semanas com dados novos que chegaram, com novos chargebacks. Em relação ao padrão você pode ficar tranquilo porque a Legiti vai achar, estamos sempre olhando.
Temos o Optimus rodando 24×7 para ver quais são as melhores features para cada cliente. E ainda possibilitamos que o cliente possa ver todos os detalhes da transação para entender os motivos daquela decisão.
Uma das coisas que gosto de falar é que acabar com fraude é fácil, a gente consegue tirar qualquer cliente da multa de bandeiras amanhã: é só rejeitar todas as transações. Mas não é só isso, a gente acompanha de perto, observa e quando vemos que já conseguimos ser mais agressivos na política para melhorar a aprovação, vamos fazer. O importante é trazer uma boa experiência ao nosso cliente.
Felipe: Como as empresas podem aproveitar o Inspetor da Legiti para casos de multas de bandeiras?
Lourenço: A primeira coisa é que no Inspetor é possível ver muito bem seus indicadores de fraude. Estou aprovando quanto? Estou tomando chargeback? Qual o motivo de uma reprovação? O Inspetor permite isso, ter uma visão e acompanhar diariamente como meu negócio está indo.
No Inspetor temos uma página que ajuda a ver o que teria sido sua aprovação ou chargeback se você tivesse outra política de risco. Permitimos fazer essas simulações para tentar estar um passo à frente. Na fraude não tem bala de prata, mas você tem que fazer de tudo para pensar antes do fraudador.
Se você consegue acompanhar muito seus dados e desenvolver um plano, você sai na frente. E tudo isso dá para fazer com o Inspetor.
Reportagem de Felipe Oliveira
Felipe Oliveira é jornalista apaixonado por futebol, mas decidiu levar os esportes apenas como lazer depois trabalhar na redação em uma edição de Jogos Olímpicos e uma Copa do Mundo. Formado também em Direito, desde 2019 aceitou o desafio de escrever sobre tecnologia e, em 2021, passou a atuar com o tema fraudes. No tempo livre gosta de assistir a jogos de futebol e matar a saudade da infância com canais de YouTube sobre games antigos.