“Compro e vendo ingressos”. Qualquer um que já frequentou um jogo de futebol se deparou com alguém falando essa frase no entorno dos estádios. Essas pessoas são identificadas como cambistas e, apesar da tranquilidade com que “negociam” tickets, estão cometendo uma prática ilegal.
O cambismo é uma atividade na qual um intermediário explora a lei da oferta e da procura, comprando e revendendo por um preço maior os ingressos de um evento, seja musical, teatral, esportivo, entre outros. A atividade é considerada crime, previsto na lei 1521/51,e prevê pena de detenção de 6 meses a 2 anos.
Mesmo assim, com o avanço da internet, é comum ver a revenda de ingressos não apenas nas estações de metrô ou na porta dos estádios, mas também nas redes sociais. E quem pensa que esse tipo de ação não é prejudicial aos clubes está enganado, já que, em teoria, o dinheiro desses ingressos seria pago pelos cambistas antes da revenda. Isso porque as instituições que não lidam da maneira correta com os cambistas acabam prejudicando seu maior patrimônio: o torcedor.
Atualmente, comprar um ingresso para assistir a uma partida de futebol é algo bastante concorrido e, na maioria dos jogos decisivos, só é possível para quem faz parte dos programas de sócio-torcedores. Já outros clubes terceirizam o serviço e contratam ticketeiras especializadas nesse tipo de comércio.
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Mesmo assim, os cambistas conseguem comprar os tickets. Para se ter uma ideia, para o “jogo da festa” do título brasileiro de 2022 do Palmeiras, diante do Fortaleza, era possível encontrar ingressos sendo comercializados por até R$ 700 nas redes sociais. Já para a final da Copa do Brasil, disputada entre Corinthians e Flamengo, ingressos eram comercializados pelos cambistas por até R$ 1 mil.
Com os cambistas conseguindo acessar os ingressos, diversos sócio-torcedores que não tiveram a mesma sorte recorreram as redes sociais para reclamarem de que, mesmo pagando os programas, não estavam conseguindo comprar os tickets para os eventos.
Outros recorreram até a sites de reclamações, como o Reclame Aqui, e chegaram a ameaçar cancelar a assinatura. Esse pode, inclusive, ser um problema que extrapola a experiência do usuário (o que é algo bastante ruim, pois é muito difícil recuperar a reputação de uma empresa), já que influencia diretamente no faturamento.
Para se ter uma ideia, o balanço de 2021 do Palmeiras apontou que o clube arrecadou mais de R$ 18,7 milhões com o programa Avanti. O Corinthians também leva um bom dinheiro com o Fiel Torcedor, com faturamento de quase R$ 12,7 milhões em 2021. Os números oficiais de 2022 ainda não foram divulgados, mas o Flamengo, campeão da Copa do Brasil e da Libertadores, estima um faturamento entre R$ 65 milhões e R$ 70 milhões neste ano.
Imagine quanto dinheiro os clubes podem deixar de arrecadar se bons sócios-torcedores começarem a deixar de pagar os planos porque não estão conseguindo adquirir ingressos? Pensando nisso, os clubes começaram a buscar maneiras de evitar que cambistas consigam comprar ingressos e acabem tirando a possibilidade de um torcedor comum ir ao estádio.
O Palmeiras anunciou no início de setembro a expulsão de mais de 200 pessoas do programa Avanti que foram identificadas como cambistas. O Corinthians seguiu na mesma linha e bloqueou mais de 400 contas do programa Fiel Torcedor. O Flamengo também decidiu atuar contra esses golpistas.
Uma das formas que os clubes utilizam para se proteger é criar cartões nominais e permitir a entrada apenas com eles. Contudo, com tamanha demanda, até a chegada desse dispositivo é permitida a entrada por meio da impressão dos ingressos com um QR Code.
Mas mesmo com essas ações os cambistas utilizam técnicas comuns em fraudes de pagamento para driblar a segurança.
A primeira, e mais comum delas, é a criação de diversas contas dentro do programa de sócio-torcedor dos clubes. Não é difícil encontrar cambistas possuindo muitos cartões de sócio-torcedores em mãos antes dos jogos. Para conseguir tantas entradas, alguns cambistas tornam pais, filhos, tios, primos e vizinhos “sócios” dos clubes.
Nesse caso específico, o golpe é feito em comum acordo com quem está comprando o ingresso na mão do cambista. Este último “empresta” o cartão de sócio-torcedor e combina um local para a devolução ao final da partida. Há ainda a possibilidade de se aproveitar da demora para a chegada do cartão e entrar com o ingresso impresso.
Há ainda a possibilidade da criação de contas falsas. Para isso, o fraudador combina informações verdadeiras que obteve em vazamentos com dados falsos, gerando uma nova identidade, e montando um perfil de “sócio-torcedor”. Outra forma é por meio de Account Takeover (ATO). Nesse caso, o fraudador consegue roubar as credenciais de um bom cliente por meio de uma campanha de phishing, um malware, ou ainda a criação de sites falsos.
Os golpistas também conseguem invadir contas adivinhando as senhas – os brasileiros são famosos por utilizarem senhas fracas. Para se ter uma ideia, a senha “123456” lidera o ranking entre as mais utilizadas no Brasil, seguida por “123456789” e a palavra “Brasil”. Segundo um levantamento da ISH Tecnologia, 84,5% das senhas mais comuns no Brasil seriam quebradas por um hacker em menos de um segundo.
Aproveitando-se dessas técnicas, os cambistas conseguem acesso aos ingressos e revendem por um preço bem superior ao comercializado pelos clubes. Assim, prejudicam a experiência de bons usuários e acabam “esvaziando” as arquibancadas, já que certamente não conseguem vender todos os tickets comprados para a prática ilegal.
Mas o perigo para os clubes e, principalmente para as ticketeiras, vai além da experiência ruim dos torcedores, já que é possível que os cambistas apliquem fraudes de pagamento durante o processo, gerando chargeback.
Os fraudadores também podem se aproveitar de cartões clonados (e já testados) obtidos após vazamentos de dados para comprar os tickets por meio das contas falsas criadas. Nesse caso, além de estarem prejudicando os torcedores, eles também estarão causando prejuízo financeiro em dobro para clubes e ticketeiras.
Isso porque os ingressos para os jogos são comercializados apenas alguns dias antes do evento, enquanto os pedidos de estornos pelos verdadeiros donos dos cartões de crédito podem ser solicitados até 90 dias depois da compra. Na prática, significa que pode ser que o cambista consiga efetuar a compra de 12 ingressos, se levarmos em conta apenas 2 jogos por mês (e que a vítima não perceba as cobranças indevidas).
O prejuízo virá à tona apenas quando o verdadeiro dono do cartão fizer a reclamação. Nesse caso, clube e/ou ticketeira serão responsáveis por devolver o valor total para o dono do cartão – e ainda arcar com a perda da venda daquele ingresso, ou seja, o prejuízo será em dobro.
Além disso, dependendo da quantidade de chargebacks sofridos, as bandeiras de cartões ainda podem colocar as empresas nos programas de monitoramento, o que pode acarretar em multas de milhares de dólares e, em casos extremos, até mesmo à proibição de venda para cartões de determinadas bandeiras.
A Inteligência Artificial é uma ferramenta essencial que chegou para revolucionar o combate à fraude. Por meio de Machine Learning é possível aproveitar dados históricos para a criação de modelos estatísticos capazes de codificar como esses dados se relacionam e trazer previsibilidade.
As máquinas têm a capacidade de processar um conjunto de dados com muito mais facilidade que os humanos e isso traz uma série de benefícios no combate à fraude. No caso das ticketeiras, o principal benefício é a possibilidade de ter um modelo customizado e produzido olhando diretamente para os dados históricos de clientes. Dessa forma, evita-se contar com um antifraude criado para lidar com produtos de prateleiras e que possuem uma característica diferente de fraudes.
É assim que um antifraude que conta com Inteligência Artificial consegue olhar para um comportamento muito típico dos cambistas. Um estudo recente aponta que, em média, os golpistas possuem apenas um aparelho à disposição. Isso significa que para adquirir ingressos, o fraudador acessa diversas contas por meio do mesmo aparelho celular.
Com um modelo preditivo treinado com os dados históricos, seria simples avaliar que um mesmo fingerprint de dispositivo estaria acessando diversas contas para realizar compras e bloquear aquele aparelho. Mas essa, claro, seria apenas uma das características observadas por um modelo bem treinado.
Com esse tipo de avaliação também é possível verificar outros fatores fundamentais para identificar se o usuário que está realizando a compra é ou não um fraudador, como se já existe um chargeback relacionado àquele IP ou endereço, se o BIN do cartão de crédito utilizado já foi envolvido em uma fraude, etc.
Além disso, uma das principais vantagens de utilizar Machine Learning no combate à fraude é o aumento da conversão. Não basta simplesmente bloquear contas (como feito por alguns clubes), já que é possível que você acabe bloqueando um bom cliente.
Ao realizar uma análise observando os dados históricos e comportamentais, a Inteligência Artificial traz resultados mais precisos, maximizando o retorno financeiro das empresas. Na Legiti, conseguimos reduzir as taxas de chargeback, em média, em 44%, e aumentar as taxas de aprovação, em média, em 2,1% de aumento absoluto. Além disso, a análise de centenas de variáveis é realizada em pouquíssimo tempo: menos de 2 segundos.